Açorianos: o ganhador é o sapateado.
Amigos,
O sapateado americano de Porto Alegre tem razões gigantescas pra
comemorar. Pela primeira vez desde sua criação, o Prêmio Açorianos conta
com um evento específico para a Dança - o que é uma grande vitória para
esta área de conhecimento, já que através de mediações públicas como
este prêmio se constroem valores culturais, e também se dá a cultura a
conhecer a todas as pessoas - e, dentro deste novo formato, abre-se o
nicho de Destaque em Sapateado Americano.
Preciso dizer que algo de grandioso aconteceu aqui. Porque essa história
é antiga, já tem quase 20 anos que se luta árduamente para levar o
sapateado do RGS a um nível tal que mereça esta janela, esta
visibilidade. Luta árdua e muito amorosa, engendrada por pessoas que
fazem parte decisiva da minha formação pessoal, artística, moral e
profissional, e às quais eu quero homenagear aqui, pelo afeto que lhes
tenho, e também para dar a um possível desavisado uma perpectiva mais
exata do que é o sapateado aqui por estes pampas e da relevância deste
momento para os apaixonados pelo Tap que por aqui "batem os cascos".
Era uma vez uma professora de dança que desenvolvia seu trabalho na cidade de Rio Grande, uma coreógrafa dotada de um senso poético que me emocionou profundamente (lembro-me vivamente de seus trabalhos de dança contemporânea e sapateado. Saudades.) Heloísa Bertolli foi uma das pessoas mais decisivas para o salto técnico que o sapateado americano deu por aqui a partir do início dos anos 90. Isto porque ela ( e como se deu isso, Helô?), por sua vez, tomou contato com uma das grandes mestras brasileiras do sapateado americano, a Marchina, e passou a estudar suas metodologias. Digo com segurança que esta ponte feita pela Helô entre a mestra Marchina e um grupinho muito especial sitiado em Porto Alegre gerou uma verdadeira revolução em termos de vislumbrarmos possibilidades a serem alcançadas com o sapateado, porque a Marchina nos brindava não só com a mais perfeita excelência técnica que já tinhamos visto, mas também com a generosidade de apontar os caminhos para chegar lá.
Mas eu falava de Porto Alegrenses... não sei bem como isso se deu (quisera saber), mas o fato é que a Helô veio a conhecer as três pessoas mais importantes para o "empurrão" que se tentava dar no sapateado aqui em Porto Alegre: Isabel Willadino (minha primeira professora, primeira empregadora, principal estimuladora, primeira a acreditar em mim, a pessoa que me trouxe pra dentro da arte e me dá emprego até hoje), Glenda Duarte e Naira Nawroski. Juntas, essas quatro mulheres estudaram as metodologias novas que chegavam e transmitiam a toda uma geração que desemboca em mim e na Gabriela Santos (pra citar só os que se profissionalizaram). Foi um trabalho grande, extenso, amoroso, que ia pra muito além das aulas com os professores. Essa patota simplesmente organizou e viabilizou TODOS os eventos de sapateado da década de 90, festivais maravilhosos onde era possível conviver com sapateadores de ponta vindos do Brasil inteiro, e onde foi possível desenvolver nessa minha geração a vital convicção de que, por amor a alguma coisa, toda a indiada é válida.(Bel, pouco mais que uma adolescente na época, agarrava na mão um monte de pirralhos de 7, 8 , 9 , 10 anos - eu entre eles - e, para loucura das mães, nos socava num ônibus pra nos levar onde que que estivesse acontecendo algo de importante em termos de sapateado RGS a fora. Minha formação foi essa, dentro desse espírito de aventura, e eu vou ser eternamente grato a ela pela coragem que teve, porque essa coragem me definiu em larga escala).
Aos poucos as crias dessa patota começaram a bater asinhas. Pelo lado da minha turminha, Gabriela Santos e eu escolhemos o sapateado como profissão. Além disso, pusemos dois espetáculos exclusivamente de sapateado em cartaz no circuito de Porto Alegre, o que foi uma total novidade - Há Tempo, com todo o pessoal do Laboratório da Dança e direção geral de Isabel Willadino, e Dos Pés à Cabeça, desta vez com Gabriela Santos, Caroline Bicocchi e eu dividindo o palco com alguns dos mais brilhantes músicos da cidade. Raquel Capeletto, aluna da Glenda Duarte por longo tempo, fez uma série de corajosas incursões solo pelos festivais de dança do Estado, sempre com uma marca própria e um estilo fortemente cênico. Mais recentemente vieram também à luz a companhia Etoille, dirigida por Glenda Duarte, que também foi a cartaz na capital com um espetáculo de Tap de uma teatralidade e plasticidade espantosas. No seio deste elenco foi que vi pela primeira vez a Luiza Karnas, colega de indicação ao Açorianos este ano, sapateadora que tem procurado o aprimoramento constante e que vem evoluindo a passos larguíssimos em direção a um trabalho consistente.
Não dá pra deixar de falar também desta "fruta temporã" que é a Devir Tap Band, iniciativa da qual faço parte junto com a Gabriela Santos, e que é cria da cabeça pensante de Simone Lírio, sapateadora neófita, mas muito competente e apaixonada o suficiente pra topar a empreitada. Por aqui também tenho o prazer de conviver com Leonardo Stenzel, um cara que, como eu, tem necessidade biológica de música e sapateado, e cujo prazer pela função toda me é sempre inspirador. Ah, vale dizer também que ele e a Helô Bertolli são meus parceiros no projeto Duelos de Sapateado, onde tivemos a oportunidade de trazer a público o caráter improvisacional do Tap Dance em shows que, literalmente, aconteciam de improviso. Pusemos na roda um monte de músicos legais, e também a galera do sapateado misturada com o povo do Flamenco, da Chula, do Malambo... free jazz total!
Pra acabar a retrô resumidamente: os últimos dois anos foram coroados
com três bolsas de estudo nos EUA para os melhores festivais de
sapateado do mundo - Gabriela Santos, em Nova York e Los Angeles, e eu,
em Chicago - a Gabi Santos ganhando prêmios que a levaram a dançar nos
palcos da Broadway, o evento Tap no Palco, promovido pela Glenda e pela
Helô para matar a saudade de toda essa patota de se reunir e botar as
fofocas sapateadorísticas em dia... e esta premiação, que abriu, como
dito antes, uma janela para que o sapateado seja visto por cada vez mais
gente.
Bueno, pra que isso tudo?
Por gratidão, em primeiro lugar, às pessoas que me ensinaram esta paixão e construíram o terreno - tablado! - sobre o qual hoje construo minha vida. Em segundo lugar, porque quero que todas essas pessoas sejam faladas e reconhecidas para que MUITA GENTE VÁ SAPATEAR!!! Se quiserem viver o sapateado pra valer, e com qualidade, procurem quaisquer das pessoas das quais falei nesse post. Vamos fazer aula gente, esse negócio de bater o pé é mágico, MESMO. Terceiro lugar, pra ajudar a geraçãozinha que já está pintando a entender onde estão pisando (STAMP!) e abraçar o sapateado com o mesmo amor dedicado por todos estes profissionais.
E eles vão ser tão bons, gente. Os frutos mais novos desse plantio vão botar a velha guarda no bolso rapidinho. Aguardem!
Abraço!
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